domingo, 26 de junho de 2011

Um pouco sobre o que move garotas que estudam pedagogia.

O discurso é fácil demais: "A situação precária da educação no Brasil" e ponto final.

Então segue-se um silêncio meio chato, do tipo que vem junto com uma notícia fatídica. E ai de quem ousar o contrário!

Afirmar que acredita na educação é quase o mesmo que pedir pra ser taxado de ingênuo, utópico desmiolado, revolucionariozinho de câmpus de universidade pública.
Oras, como (e para quê) acreditar? O importante é o aqui e o agora tão individualista quanto possível, não é mesmo? E o que se opõe mais a esse discurso do que a educação? Se ela possui um fim, com certeza não é imediato; se traz algum benefício individual para o educador, de certo não tem valia nesse sistema de valores.

Isso sem contar toda a roubalheira da política, os alunos desinteressados, o professor mal-formado e mal-remunerado, a burocracia do sistema de ensino... Enfim! Se for pra enumerar essas generalizações tão batidas, dá pra perder mais tempo do que em um desafio daqueles jogos de "encontre os erros".

E o que falar da educação infantil, heim? Piada de mau gosto daquele riso desesperado que fica na garganta lutando pra não se transformar em lágrima.

Talvez no dia em que uma mulher e uma criança tenham o mesmo valor de um homem adulto, uma jovem universitária não ouvirá o tão característico "coitadinha" ao dizer que cursa pedagogia. Mas isso não passa de ilusão se não compreendermos que esse desejo não difere do desejo de que um negro tenha o mesmo valor do que um branco, um homossexual tenha o mesmo valor de um heterossexual, um pobre o mesmo valor de um rico, um ateu o mesmo valor de um cristão.

É com a simplicidade que Douglas Adams teve em seu livro "O guia do mochileiro das galáxias" ao dizer que a sua história se passava "mais ou menos dois mil anos depois de um cara ser pregado em uma pedaço de madeira por dizer que seria ótimo se as pessoas fossem legais umas com as outras, só para variar", que nós afirmamos que não queremos mudar o mundo ou revolucionar a sociedade, mas que também seria super legal se as pessoas entendessem que os dez anos que as crianças passam na escola podem ser algo bom, só para variar.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Um devaneio.

Eu tenho uma teoria de que cada ser humano é repleto de vazios. Uns maiores, outros menores, enfim.

Alguns deles são "rasos" e se preenchem continuamente com coisas do dia-a-dia. Um almoço gostoso com a família, dar risada de uma piada engraçada (ou de uma retardada, que às vezes é ainda melhor), passar um dia perfeito com os amigos, ter um amor... Enfim, qualquer coisa que venha da SUA relação com os OUTROS.

... Mas se aqueles vazios que são mais "profundos" continuam assim, vazios, essas coisinhas do cotidiano vão perdendo gradualmente os seus sentidos. São momentos que bons, mas que passam e depois se tornam apenas uma lembrança opaca.

Penso em três fatores que podem fazer com que esses vazios mais profundos deixem de existir: Espiritualidade, auto-conhecimento e arte.

De todas as experiências que eu já tive, acho que essas três são as únicas que me levam a ter um contato com o intangível. Aquela sensação de que você é realmente completo porque está em contato com algo que é maior do que você, mas que ao mesmo tempo também é você em essência.

E essência é um conceito complicado, daqueles que quanto mais você tenta definir, mais abstrato fica e que, de repente, tá muito melhor explicado se ninguém explicar nada. Aquelas coisas que a gente sabe, mas não sabe como dizer.

Enfim.

Às vezes me perco e quase concluo que essas três coisas (espiritualidade, auto-conhecimento e arte) são três faces de uma mesma coisa; talvez sejam até mesmo a verdadeira santíssima trindade. O trio que é uno, a unidade que é tripla.

Como posso duvidar da existência de algo maior do que eu quando ouço uma música ou quando me entrego a uma leitura daquelas que me tiram do chão? A arte é feita pela alma e frutifica quando encontra alma mais ou menos semelhante. E crer que existe uma alma é, afinal, afirmar a existência do metafísico.

Não, por favor, não me entendam errado. Sei muito bem a técnica que a arte exige: O cuidado, o treino, o contínuo aperfeiçoamento (A inspiração é feita por três quartos de transipiração!) e não quero, de maneira alguma, negar o mérito do artista e passá-lo à alguma força divina, mas quem poderá me dizer que em algum lugar da gênese disso tudo (seja do artista, seja na composição da arte) não há uma expressão de algo que transcende os nossos corpos?

Não sei quão absurdo isso pode parecer, mas é na leitura que eu me vejo perto de tocar aquilo que não dá pra explicar. É em certos autores e certas obras (e muitas vezes na música também) que eu deixo esse mundo palpável e posso ter um pequeno vislumbre daquilo que está além dos nossos sentidos. Pode soar loucura - e talvez seja! - mas às vezes é em uma vírgula, em uma construção, em um certo jogo de palavras, que eu posso experimentar uma felicidade é diferente daquelas que surgem da nossa relação com os outros.

Mas a arte é uma mão de duas vias. É pra ser apreciada, mas é pra ser criada também!
E aqui eu entro exatamente no ponto que buscava.

Há algo de divino na criação. Se ao contemplar uma obra de arte é possível sentir que existe algo de grande e bom que não pode ser percebido em totalidade pelos nossos sentidos, ao criar, nos tornamos isso.

Cria-se um universo (e quem dirá que ele é mais ou menos real do que o que vivemos?), faz-se o tudo onde não havia nada! E a partir do primeiro segundo de criação, o objeto criado é um pouco de você mesmo e um pouco de outra coisa que não me cabe saber qual é. A obra cria uma vida própria que é dela e do autor e disso surge um amor diferente, que às vezes parece amor de pai para filho. Você olha carinhosamente pr'aquilo que criou e fica lá, amando até mesmo aquelas coisinhas mais tortas. Se isso não é milagre, o que mais pode ser?

E daí entra o terceiro item. Auto-conhecimento.
Conhecer a si mesmo implica saber o que te faz feliz, quais são as ideias que valem à pena serem defendidas, aceitar o que você é e gostar disso.

Muitas vezes eu me sinto alheia à mim mesma. Me sinto vivendo de um jeito que não é meu (que não SOU eu), vazia o tempo todo, como se estivesse na janela de um ônibus e ficasse só vendo tudo passar. Lembro-me de uma sombra de quando eu era eu - era um eu criativo, um eu que foi tocado pela arte - e desejo ter isso de volta porque criar me faz feliz, mas sem esse auto-conhecimento a arte parece ser impossível!

E é isso... Sinto que minha identidade ta sumindo devagarzinho. Não escrevo porque há um enorme vazio, há esse enorme vazio porque não escrevo.
Parece circular. E vicioso.

Enfim. Bobagens.

(acho que passei muito tempo no ifch hoje...)

terça-feira, 19 de outubro de 2010

O Autor

Estava o Autor recolhido em seu reduto: uma mesa no canto de um quarto sombrio que correspondia a todo seu universo tangível.

Tinha o rosto pálido e muito liso; seus olhos eram puros e estavam emoldurados por olheiras severas que destoavam do restante da face.

Sabidas as verdades essenciais, um homem teria se afogado naquele olhar concentrado, dulcíssimo, como se toda a realidade se desmanchasse e se transfigurasse em luz e cores antes de tocá-lo.

Por todos os cantos do quarto, papéis jaziam amassados, mas nenhum deles importava. Não passavam de criações que ele amara imensamente, mas que naquele momento não eram muito mais do que lixo.

O único que era realmente relevante estava ali, na velha máquina de escrever – sua única companhia. Era barulhenta e rangia de mil formas toda vez que uma tecla era apertada – um som diferente para cada uma das suas engrenagens – mas nenhum daqueles barulhos o irritava (Antes! Acalentavam-no.)

Ao alcance de suas mãos, uma xícara de café fumegava. O vapor embalsamava-o, envolvia-o até difundir-se nele próprio, de maneira tal que eu diria que a sua essência era luz, mas o aroma que possuía era o mesmo daquele líquido quente em cima da mesa

Por uma soma de minutos, o Autor digitou compulsivamente. Eram milhões de sons que eu não saberia contar. Eram as luzes que se desmanchavam ao seu redor. Era o cheiro do café. Era o gosto amargo da bebida que se dissolvia na sua boca.

E então parou.

Cessou-se tudo.

Somente o silêncio e os seus olhos de autor percorrendo a folha de um lado para o outro – ela ainda cheirava a tinta, algumas palavras estavam falhas.

Primeiro houve um olhar crítico, depois se entregou. Permitiu que o carinho lhe guiasse a leitura e assumiu olhos tenros. A única analogia que me ocorre é um pai olhando para o filho; orgulhoso de suas virtudes, admirando as suas belezas e não conseguindo deixar de amar até mesmo os seus defeitos.

Suas palavras retratavam uma grande cidade.

Motoristas amaldiçoavam o trânsito, xingavam outros motoristas, queixavam-se da vida.

Pedestres caminhavam apressados para o metrô, praguejando as calçadas lotadas, os vendedores da rua, os outros pedestres, a vida.

Em um museu ao lado da estação, os abastados cultuavam a sua cultura e alimentavam seus egos, considerando a si mesmos muito superiores por saberem apreciar a arte exposta.

Pessoas sem lares se abrigavam em todas as saliências que pudessem escondê-las da chuva tímida que começava a cair, gozando por continuarem vivas a despeito da fome, do frio, de todos os vazios.

Um malandro tentava furtar um celular de modo camarada, gargalhando da sua própria condição, da podridão que o cercava, da putrefata vida.

Mas, inconscientes de tudo isso, naquela historieta, um rapaz e uma garota travavam uma conversa banal, onde cabiam todos os mistérios do universo. Buscavam quaisquer palavras que os afastasse de um silêncio incômodo, mortífero, desolador.

E bem no meio desse diálogo tão imprescindível para as duas almas imaginárias, o Autor parou. A imaginação lhe faltou.

Sua janela aberta revelava a Lua leitosa, a noite quente e convidativa; Um copo cheio de qualquer bebida alcoólica chamava-o para longe da maquina de escrever e do papel que, até então, amara como uma parte de si mais preciosa do que a sua própria essência.

Levantou-se e quando o fez, não ouviu que duas vozes chamavam por ele em um sussurro uníssono.

Afastou-se.

Já longe, a luz dos seus olhos desapareceu.

Quando se sentasse no bar e pegasse o primeiro copo, não perceberia que até mesmo o cheiro de café havia abandonado-o. Não lembraria mais da música que eram os incontáveis sons da velha máquina em cima da mesa. Tampouco ouviria o clamor do casal de jovens que o Autor havia deixado para trás.

Tudo que ele daria a ambos naquele momento era o contato com o infinito e deixaria que eles fossem abocanhados pelo vazio – porque o que o autor não tecesse com as suas palavras poderia ser tudo no mundo daqueles dois e, portanto, não era nada.

Quando bebesse todo conteúdo do primeiro copo, já não lembraria mais do papel cheio de rasuras onde um garoto e uma garota ainda tentavam quebrar o silêncio horrendo.

Me pergunto se o Autor terminará aquela história e dará aos dois garotos um final feliz. Imagino que talvez ele caminhe até a engenhoca que escreve, tire dela o papel e amasse-o como fizera com tantos outros antes.

As dúvidas, no entanto, começam a desaparecer.
Não vê?
Há uma lua leitosa e uma noite de verão que chamam por mim.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Essa tal liberdade...

Chutou uma pedra sem pensar ao certo no que estava fazendo; deu uma topada com o dedão no canto da calçada. A pele por debaixo da meia ardia, sentia-a umedecer. De certo que sangrava e talvez perdesse uma unha por conta disso.

Gritou. Xingou o mais alto que pôde.

Berrou aos quatro ventos os nomes mais xulos que podia se lembrar: palavrões daqueles que fariam a mãe lhe lançar um olhar que lhe calaria não apenas a voz, mas também qualquer ímpeto rebelde que ousasse despertar em si.

A dor do pé? Não sentia mais. A voz minguava, mas os ressentimentos se recusavam a segui-la. Não; eles não diminuiriam, não voltariam para aquele lugar no peito onde pudesse ter sobre a menina apenas o efeito de torná-la indiferente a tudo e a todos
.
Agora aquilo tudo serpenteava em si como milhares de cobras esguias que lhe agitavam o sangue e lhe turbilhavam o pensamento. Seu corpo, entretanto, era de mármore.
Estava presa em si; estava presa por si.

Entregara-se calada, como as coisas devem ser. As águas do rio correm para o mar sem questionar porque jamais poderiam permanecer nas montanhas, o sol nascia e se punha todos os dias num ciclo eterno e ela obedeceria sempre por amor.

E já não importava mais o que ela era (e era?) ou o que poderia ser. As serpentes adormeciam para nunca mais despertar.

Respirou uma vez mais o frescor da noite que lhe fazia tão bem, que lhe deixava plena. Poderia absorver aquilo para sempre... O silêncio, a luz pálida da lua, o frescor, a calmaria da alma.

Mas a mãe estava lhe esperando para poder, enfim, adormecer e suas vontades de nada valiam se soubesse que ela não estaria bem.

Mal percebeu que quando entrou em casa, algo impalpável, imensurável e fundamental de si mesma fora deixado para trás, vivendo para sempre livre sobre o luar.

E ela? Agora estava deitade sob um teto insípido, entre quatro paredes tão vazias quanto ela própria.

No quarto ao lado, a mãe enfim adormecia o sono dos justos.

Então, tudo estava bem.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Mais um. Será que dessa vez vai?